Enquanto SP anuncia imunização dos adultos até outubro, Minas evita previsões. Especialistas veem risco em marcar data sem estoque
A ansiedade pela imunização só aumenta. Em São Paulo, por exemplo, o governador João Doria (PSDB) afirmou ontem que todos os brasileiros acima de 18 anos residentes no estado que administra estarão vacinados com a primeira dose do imunizante contra a COVID-19 até o fim de outubro. Por sua vez, Minas Gerais segue sem se comprometer com datas, já que depende do recebimento de novas remessas enviadas pelo Ministério da Saúde. Especialistas em epidemiologia consultados pelo Estado de Minas consideram arriscado fazer projeções. Por outro lado, veem na prática uma forma de pressionar o governo federal para que agilize a aquisição de imunizantes.
Atualmente, em Minas, os grupos prioritários contemplados com a vacinação são: trabalhadores do transporte aéreo e portuário; pessoas com comorbidades; grávidas e puérperas com comorbidades; pessoas com deficiência permanente e trabalhadores das forças de segurança e salvamento.
A Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) orienta os municípios que já realizaram a vacinação das pessoas abaixo de 60 anos com comorbidades – e que ainda têm doses direcionadas a esse público sobrando – que avancem na imunização de outros grupos prioritários.
“A ordem de vacinação dos respectivos grupos prioritários bem como o quantitativo de doses para imunização da população destinados a cada estado são definidos pelo Ministério da Saúde e divulgados a cada envio de remessa de imunizantes”, informou a pasta.
CAPITAL MINEIRA
Em Belo Horizonte, o posicionamento não é diferente. Questionada pela reportagem, a prefeitura informou que “só expande os grupos ou dá seguimento à aplicação da segunda dose com vacinas suficientes para todas as pessoas pertencentes” a cada público. Na última terça-feira, teve início a vacinação de trabalhadores do ensino fundamental. Ontem foram vacinadas pessoas com deficiência permanente e os trabalhadores do transporte aéreo, que atuam em Belo Horizonte. Hoje, serão imunizados os trabalhadores do ensino médio, profissionalizante e Ensino de Jovens e Adultos (EJA) e amanhã e sábado, os trabalhadores do ensino superior.
“É imprescindível que novas remessas de vacinas sejam entregues pelo Ministério da Saúde. A prefeitura reafirma a disponibilidade de pessoal e de todos os insumos necessários para a imediata continuidade do processo”, respondeu a Secretaria Municipal de Saúde.
PREVER OU NÃO?
A estratégia de determinar uma data específica para vacinar a população não é necessariamente a ideal, avaliam especialistas consultados pela reportagem. Marcar data para conclusão da campanha pode ser um tiro no pé. Isso porque para a campanha de imunização funcionar, muitos fatores precisam ser levados em conta, como, principalmente, a chegada de matéria-prima para a produção das vacinas.
O médico epidemiologista Pauloo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), ironizou o anúncio de Dória. “Prazos, prazos, prazos... Comprar a melhor corda no mercado para se enforcar”, comentou pelo Twitter.“Não consigo avaliar como certo ou errado (a projeção de data para a campanha). O que eu sempre quis dizer é que essa história de apresentar prazo quando não se tem exatamente o controle da situação é muito ruim. Não tem como controlar a chegada dos insumos”, explicou à reportagem do Estado de Minas. O especialista afirma que a expectativa da sociedade pode ser frustrada caso o prazo não se cumpra. “Acho arriscado soltar isso. A melhor coisa que tem é você trabalhar o mais rápido possível, acelerar da forma como pode”, acrescentou.
“CENÁRIO DRAMÁTICO”
Na avaliação do infectologista, epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Geraldo Cunha Cury, o único lado positivo em estabelecer uma data é pressionar politicamente o governo federal. “A questão das vacinas é um cenário dramático. O Ministério da Saúde não contratou os imunizantes no ano passado e hoje temos uma deficiência grande no número de vacinas. Sobre marcar para outubro, no meu ponto de vista, é positivo, porque pressiona o governo federal. O que provocou a assinatura do contrato com Butantan, em janeiro, foi a pressão. Então é criar pressão política no Ministério da Saúde para providenciar as vacinas”, pontuou.
O médico ressalta que é necessário que não haja dificuldade em providenciar os insumos, como o “entrevero com a China”, pois dificulta ainda mais as previsões de vacinação para os estados e municípios. Por conta da instabilidade na produção dos imunizantes, o especialista diz que prever data é um risco.
“É prudente não prever. Só que do ponto de vista político, é bom”, reforça. “Em Belo Horizonte, por exemplo, não tem essa coisa de ficar prevendo, porque a dose não está aqui. No início da campanha, Minas estava muito lenta, depois entrou num ritmo possível. Digo possível, porque não é o adequado já que não tem vacina suficiente. É a primeira vez que vejo campanha de vacinação sem vacina”, critica o professor.
FERIADO EM CASA
Com o ritmo atual de vacinação, tendo em vista também as flexibilizações do comércio, o infectologista não descarta novos picos de casos e mortes por COVID-19. “É uma pergunta que não tem resposta clara (a possibilidade de terceira onda). Existe a expectativa de doação de vacina dos Estados Unidos, ou a Pfizer disponibilizar mais doses, entre outras variáveis. Finalizar a primeira dose na população acima de 18 anos em outubro seria um horizonte adequado”, disse.
O médico ressalta a situação crítica da pandemia, que voltou a pressionar os hospitais. “No Sul de Minas já tem mais de 90% de ocupação das UTIs, tudo fruto do efeito do Dia das Mães. A gente pede para as pessoas não se encontrarem, e se encontram. Temos um feriado agora neste fim de semana, qualquer alteração dos índices vai ser desastrosa, com pessoas morrendo à espera de leito de UTI. Esperamos que neste feriado não aconteça o que aconteceu no Dia das Mães”, alerta Cury.
NOVA REMESSAS
A campanha de imunização em Minas Gerais ganhou reforço ontem, com o desembarque de 588.500 doses de vacinas da AstraZeneca no aeroporto internacional de Belo Horizonte, em Confins, a partir das 20h20. O carregamento seguiu para a Central Estadual de Rede de Frio, onde será distribuído às 28 unidades regionais de saúde (URS) do estado. A logística de entrega aos municípios ainda não foi divulgada. Na segunda-feira, o governo de Minas começou a distribuir as vacinas que integram a 21ª remessa para as unidades regionais de saúde. No lote, constavam 622.590 doses. Dessas, 561.750 da AstraZeneca e 60.840 da Pfizer. As doses chegaram ao estado em 26 de maio.
Por Déborah Lima Desembarque de imunizantes em Minas: estado reforça que ordem da vacinação e entrega de doses dependem do Ministério da Saúde (Foto: Taciane Ricci/BH Airport/Divulgação - 26/3/21)
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