Tempestade pré-histórica causou morte de bebês pterossauros, mostra estudo

Uma tempestade violenta pode ter causado a morte de dois bebês pterossauros ao lançá-los em uma lagoa há cerca de 150 milhões de anos, segundo uma nova análise dos minúsculos fósseis extraordinariamente bem preservados. Esta pesquisa recente também fornece novas pistas que podem desvendar um mistério mais amplo em torno do local onde os espécimes foram encontrados.
Os répteis voadores pré-históricos, apelidados de Lucky e Lucky II pelos autores do novo estudo publicado na revista Current Biology em 5 de setembro, provavelmente tinham entre alguns dias e algumas semanas de vida quando morreram no que hoje é o sul da Alemanha.
Os fósseis, datados entre 153 milhões e 148 milhões de anos atrás durante o Período Jurássico, estão entre os menores espécimes de pterossauros já encontrados, com envergaduras de menos de 20 centímetros. Ossos pequenos raramente se preservam bem no registro fóssil por serem muito frágeis — especialmente os delicados e ocos como os dos pterossauros.
À primeira vista, os esqueletos parecem imaculados, aparentemente representando como os pterossauros seriam quando vivos. No entanto, cada um apresenta uma lesão semelhante. O úmero esquerdo de Lucky e o úmero direito de Lucky II mostram uma fratura limpa e inclinada, sugerindo que foram torcidos por fortes rajadas de vento.
Os pesquisadores acreditam que, após sofrerem as lesões, os pterossauros caíram na lagoa e se afogaram nas ondas, descendo até o fundo do mar, onde foram rapidamente enterrados pela lama agitada pela tempestade. Ironicamente, a mesma tempestade responsável por suas mortes provavelmente foi o que preservou tão bem seus esqueletos, segundo os pesquisadores.
“As chances de preservar um pterossauro já são pequenas, e encontrar um fóssil que nos conte como o animal morreu é ainda mais raro”, disse o autor principal do estudo, Rab Smyth, pesquisador de paleontologia do Museu Americano de História Natural, em um comunicado. Smyth conduziu a pesquisa como estudante de doutorado no Centro de Paleobiologia e Evolução da Biosfera da Universidade de Leicester, no Reino Unido.
Além de esclarecer como os pterossauros morreram, os fósseis podem revelar por que os pesquisadores encontraram centenas de restos de pterossauros pequenos, mas poucos grandes, no Calcário Solnhofen, no sul da Alemanha.

Ilhas de descoberta
Há cerca de 150 milhões de anos, a Europa era completamente diferente, disse Smyth.
“O continente estava fragmentado em uma complexa cadeia de pequenas ilhas”, escreveu ele em um e-mail. “O sul da Alemanha, entre os últimos pedaços de terra antes do vasto Oceano Tétis que se estendia em direção à África, consistia em ilhas semiáridas cobertas por vegetação arbustiva baixa.”
As lagoas de Solnhofen faziam parte de um arquipélago, com as massas de terra mais próximas a apenas alguns quilômetros de distância, explicou ele.
Os pesquisadores têm regularmente recuperado fósseis bem preservados de pequenos pterossauros nos últimos 240 anos dos depósitos lagunares em Solnhofen, disse Smyth. Em contraste, os cientistas encontraram apenas fragmentos, como crânios ou membros, de pterossauros adultos maiores. A falta de espécimes adultos completos é incomum, pois animais maiores tendem a se fossilizar melhor, segundo os pesquisadores.
Os fósseis recuperados do Calcário Solnhofen, incluindo 500 espécimes representando 15 espécies diferentes, “há muito fundamentam e continuam a dominar grande parte de nossa compreensão desses répteis voadores”, escreveram os autores no estudo.

O conhecimento sobre como exatamente os espécimes se fossilizaram na região permaneceu limitado.
Smyth e seus colegas estudaram os dois fósseis, mantidos no Museu Bergér em Harthof e na Coleção Estadual da Baviera para Paleontologia e Geologia em Munique, usando Fotografia de Fluorescência Ultravioleta, em busca de pistas.
A técnica revelou detalhes difíceis de ver apenas com luz visível, como áreas de preservação de tecidos moles, a condição do calcário no qual os fósseis foram preservados e a espessura das paredes ocas dos ossos. Os fósseis também são distintivos por mostrarem evidências de trauma ósseo, diferentemente dos outros restos de pequenos pterossauros encontrados em Solnhofen.
“Quando Rab avistou Lucky, ficamos muito empolgados, mas percebemos que era um caso único”, disse o coautor do estudo David Unwin, professor de paleobiologia na Escola de Estudos de Museus da Universidade de Leicester, declarou: “Um ano depois, quando Rab notou o Lucky II, percebemos que não era mais um achado isolado, mas uma evidência de como esses animais estavam morrendo. Mais tarde, quando tivemos a chance de iluminar o Lucky II com nossas lanternas UV, ele literalmente saltou da rocha diante de nós — e nossos corações pararam. Nenhum de nós jamais esquecerá aquele momento.”
Alguns dos fósseis encontrados no calcário pertencem às espécies de pterossauros Rhamphorhynchus muensteri e Pterodactylus antiquus, sendo que ambos os espécimes Lucky pertencem à última espécie. No entanto, os pesquisadores consideraram incomum encontrar filhotes e juvenis de P. antiquus dentro da lagoa, já que a espécie não parecia ter adaptações para um estilo de vida marinho.

O Rhamphorhynchus muensteri, por outro lado, tinha asas longas semelhantes às das gaivotas e mandíbulas adaptadas para capturar peixes e lulas. Existem também muitos exemplos de espécimes que variam de jovens a adultos, como seria esperado de uma população local, segundo Smyth.
Em vez disso, Smyth acredita que os pterossauros Lucky e outros espécimes juvenis de Pterodactylus antiquus viviam nas massas de terra próximas às lagoas.
“Essas ilhas e áreas costeiras eram provavelmente semiáridas, com florestas esparsas ou vegetação arbustiva”, disse Smyth. “Elas abrigavam uma variedade de invertebrados e pequenos répteis, além do Archaeopteryx, uma das aves mais antigas conhecidas. Sabemos disso porque essas plantas e animais são ocasionalmente encontrados carregados para dentro das lagoas.”
Os pesquisadores continuam recuperando uma variedade de espécimes de pterossauros do Calcário de Solnhofen, permitindo que os cientistas estudem o crescimento, a variação e a anatomia dos pterossauros com muito mais detalhes, afirmou Smyth.
Uma descoberta fortuita
O estudo dos pterossauros Lucky ajudou os pesquisadores a compreender como as tempestades tropicais pré-históricas levaram a um viés no registro fóssil.
Na maior parte do tempo, as lagoas teriam sido calmas, com águas rasas. Mas elas eram bombas-relógio, disse Smyth.
A coluna d”água continha camadas específicas, com uma superfície oxigenada sobre um fundo extremamente salino e sem oxigênio.
“Tempestades repentinas podiam agitar a lagoa, trazendo a água tóxica do fundo para a superfície e causando mortes em massa da vida marinha”, disse Smyth. “Ao mesmo tempo, as tempestades podiam arrastar outros animais para as lagoas, incluindo pterossauros jovens, que eram rapidamente enterrados em sedimentos finos.”
O fato de tantos fósseis de pterossauros jovens estarem tão completos sugere que eles foram enterrados logo após as tempestades, antes que predadores pudessem perturbá-los, explicou ele.
Mas como pterossauros não nativos da região acabaram na lagoa? Os filhotes recém-nascidos provavelmente eram incapazes de escapar dos fortes ventos das tempestades, diferentemente dos pterossauros adultos.
“Durante séculos, os cientistas acreditavam que os ecossistemas da lagoa de Solnhofen eram dominados por pequenos pterossauros”, disse Smyth. “Mas agora sabemos que essa visão é profundamente tendenciosa. Muitos desses pterossauros não eram nativos da lagoa. A maioria era de juvenis inexperientes que provavelmente viviam em ilhas próximas e foram infelizmente apanhados por tempestades poderosas.”
Enquanto isso, os pterossauros adultos, mais capazes de resistir às tempestades, provavelmente morriam de causas naturais e flutuavam por dias ou semanas na superfície da lagoa, com partes de seus restos gradualmente afundando até o fundo.

O voo dos pterossauros bebês
Agora, Smyth e seus colegas querem entender melhor como os pterossauros recém-nascidos conseguiam voar tão cedo na vida, algo que quase nenhum animal voador moderno consegue fazer, segundo ele.
Os cientistas já debateram anteriormente sobre as capacidades de voo dos pterossauros bebês, mas o estudo sugere que os pterossauros de Lucky sofreram lesões relacionadas ao voo semelhantes às observadas em aves, especialmente juvenis inexperientes que voam durante tempestades marinhas, escreveram os autores no estudo.
David Martill, professor emérito do Instituto da Terra e Ambiente da Universidade de Portsmouth, ficou fascinado pelo estudo e pelas imagens UV. Martill não participou da pesquisa e tem algumas reservas sobre as lesões terem sido causadas por tempestades
As lesões tendem a ocorrer quando os animais são arremessados contra rochas, mas não havia penhascos presentes nas lagoas, ele sugeriu.
“Então, recebo este estudo como uma hipótese extremamente interessante que requer uma investigação mais aprofundada”, escreveu Martill em um e-mail.
Steve Brusatte, professor de paleontologia e evolução da Universidade de Edimburgo, na Escócia, que também não participou da pesquisa, chamou o estudo de “trabalho de investigação paleontológica do mais alto nível”, fornecendo evidências raras sobre como os animais morreram e se fossilizaram.
“Quando você pensa sobre isso, cada fóssil é uma tragédia”, escreveu Brusatte em um e-mail. “É parte de uma planta ou animal que morreu, foi enterrado e se transformou em rocha. Este estudo é uma janela assombrosa para a vida dos pterodáctilos. Posso realmente visualizar em minha mente uma noite escura e tempestuosa no Jurássico, quando os ventos do destino derrubaram esses pterodáctilos, transformando-os nos fósseis que celebramos 150 milhões de anos depois.”
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