Tradição dos Juliōes na produção de máscaras de Olinda chega ao Rio


Na terceira geração, João Dias Vilela Filho aprendeu o ofício vendo o pai trabalhar para sustentar a família. O interesse em fazer o mesmo trabalho se manifestou cedo, quando tinha 12 anos de idade. O único dos cinco irmãos que seguiu a tradição do artesanato foi chamado em uma ocasião para substituir o pai que tinha ficado doente, como professor de artes plásticas em escolas municipais de Olinda. Aquele momento resultou em uma carteira assinada e a sequência na profissão até a aposentadoria, sem, no entanto, deixar de lado as outras atividades.
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“Se você disser a um menino que aquilo ali está feio, ele vai para casa e não volta mais. Tem que dizer que ele faz melhor”, ensina João, que, aos 65 anos, diz que tem muita paciência para transmitir o seu conhecimento às pessoas interessadas.
Máscaras
As máscaras feitas em papel machê, com uma mistura de papel e goma de mandioca, chamam a atenção de moradores e visitantes de Olinda e fazem parte da cultura do carnaval da cidade, que atrai grande quantidade de turistas e lota as ruas. Durante o período, muitos deles compram as peças para participar dos diversos desfiles de troças, maracatus e blocos, que também têm como atração característica os bonecos gigantes.
O de maior destaque é o Homem da Meia-Noite. Ele passa pelas ruas justamente no sábado neste horário e no domingo e é responsável pela entrega da chave do carnaval de Olinda para que a Troça Carnavalesca Mista Cariri Olindense faça a abertura dos festejos.
Mostra
Agora, a arte das máscaras pode ser admirada no Rio de Janeiro até o dia 25 de fevereiro de 2026, na exposição Entre Máscaras e Gigantes: Os Juliões do Carnaval de Olinda. A nova mostra do programa Sala do Artista Popular (SAP) foi instalada no Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP/Iphan), que fica no Museu de Folclore Edison Carneiro, no Catete, zona sul do Rio.
“É muito importante para a gente porque vemos a nossa cultura ultrapassar as fronteiras. A gente produz e faz [máscaras] há mais de 100 anos, desde o meu bisavô, meu avô, meu pai e hoje em dia comigo”, diz, orgulhoso, Mateus, em entrevista à Agência Brasil.
‘Isso é um orgulho muito grande de as pessoas reconhecerem a gente como artistas. A cultura não pode cair. Agradeço muito às pessoas que compram. Gosto do que eu faço. Quando a gente gosta do que faz, vai abraçar o mundo todo”, afirma o pai de Mateus.
A valorização do trabalho já superou fronteiras. Mateus conta que a família já enviou máscaras para vários lugares do mundo, mas é a primeira vez que faz uma exposição fora de Pernambuco. “A gente vê como oportunidade também de as pessoas conhecerem a cultura de Pernambuco que vem crescendo cada vez mais, principalmente, referente a La Ursa, que hoje é um símbolo do carnaval pernambucano.”
O interesse na La Ursa extrapolou o carnaval. Atualmente ela é usada em decoração, é nome de restaurante, é acervo de museus e aparece até no filme O Agente Secreto, de Kleber Mendonça, protagonizado por Wagner Moura, que vem recebendo prêmios mundo afora. “La Ursa hoje virou quase uma entidade própria. Está presente em restaurantes, blocos, roupas e adereços. Em Pernambuco, se vê La Ursa desde uma propaganda até uma camisa de uma pessoa”, completa.
A vivência e o amor ao carnaval impulsionam a continuidade da tradição de produzir máscaras. “A gente gosta de carnaval. Eu brinco, meu pai também, isso impulsiona muito a gente a fazer. É um legado. Tem gente que compra as máscaras desde pequeno e fala para a gente ‘meu pai comprava com seu avô', gente que de anos vem comprando com a gente.”
Mateus lembra que no começo o bisavô fazia as máscaras características da época que eram de Pierrot e Colombina até que o seu avô começou a fazer os bonecos gigantes de Olinda, que atualmente têm uma produção menor. "Os bonecos de Olinda eram feitos pelo meu avô, fez o Homem da Meia-Noite, a primeira feminina, que foi a Mulher do Dia”, conta, ao concordar que os bonecos são muito característicos de Olinda.
“É uma coisa que entra no sangue da gente que a gente não deixa de atender e cada vez mais aperfeiçoando para sair melhor."
Segundo o neto da tradição dos Juliōes, a produção segue durante o ano todo, porque recebem muitas encomendas, principalmente a máscara da La Ursa, mas tem também as de animais e personagens tradicionais. “Tem pessoas que vêm para comprar no carnaval, mas tem também para comprar no ano todo. A gente também participa de feiras como a Fenearte [Feira Nacional de Negócios de Artesanato] de Olinda. A gente tem todo tipo de demanda, tem de rosto, de cabeça e para a decoração.”
João Dias Vilela Filho e o filho Mateus vieram para o Rio para a abertura da exposição na quinta-feira (11). Empolgados com o legado recebido de Julião, gostam de dividir o conhecimento. Eles participaram de oficinas para ensinar como as máscaras são produzidas. Ao todo estão expostas mais de 100 peças, parte em exibição e o restante no Espaço de Comercialização. Os valores estão entre R$ 100 e R$ 250.
Entre as várias máscaras expostas, a mostra apresenta um panorama em fotos e vídeo, mostrando o processo de criação, com as etapas de trabalho da casa/ateliê de João Dias Vilela Filho, em Varadouro, que fica próximo do Bazar Artístico de Julião das Máscaras, em Olinda. As imagens que integram a mostra e o catálogo foram registradas pela premiada fotógrafa Mirielle Batista Misael.
Para a autora da pesquisa e do texto do catálogo da exposição, a antropóloga Raquel Dias Teixeira, conforme indicou no conteúdo de divulgação da mostra, os visitantes terão “acesso a um universo simbólico carnavalesco profundamente enraizado na cultura popular pernambucana”. Ainda de acordo com a antropóloga, essa arte vai além de moldar rostos e memórias do imaginário popular.
“Mais que objetos festivos, essas máscaras, ao habitar diferentes lugares e contextos, também expressam vínculos de parentesco, convivência e território, perpetuando um saber que une trabalho, brincadeira e invenção”, aponta Raquel no conteúdo.
O catálogo traz a história da família de Julião nesta arte, que tem como característica, grandes cabeças para fantasias carnavalescas, mas também mamulengos, brinquedos de madeira entre outros objetos de artesanato. Na sua trajetória a família chegou a produzir mais de 50 bonecos gigantes.
Serviço:
Museu de Folclore Edison Carneiro – Rua do Catete, 179
Período da exposição: 11 de dezembro de 2025 a 25 de fevereiro de 2026
Dias e horários de visitação: Terça a sexta-feira, das 10h às 18h. Sábados, domingos e feriados, das 11h às 17h
No recesso de final de ano, nos dias 24, 25, 31 de dezembro e 1º de janeiro de 2026, a exposição estará fechada
Mais informações estão disponíveis aqui.





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